Tema batido? Ainda não. O isolamento social tem sido uma estratégia fundamental para diminuir a transmissão do Coronavírus que provoca a Covid-19. Mas, mesmo considerando sua eficiência para conter a pandemia precisamos destacar que o isolamento pode potencializar dificuldades sociais, sociológicas e psicológicas que já existiam. À exemplo do abuso de álcool e drogas lícitas e ilícitas, psicopatologização e medicalização do sofrimento psíquico e automedicação.
O isolamento modifica ou inviabiliza certos projetos. Muitas pessoas deixaram de fazer suas atividades físicas o que contribui para modificar a relação com seu próprio corpo. Todos(as) nós deixamos de circular pela cidade da forma como fazíamos antes o que promove uma diferença na relação com o mundo. Deixamos igualmente de ver nossos amigos(as), colegas de trabalho, familiares, namorados(as) e assim a relação com os outros também é modificada. E, por fim a incerteza que assombra o futuro afeta nossa relação com o tempo ou até mesmo nossa temporalização ou personalização.
É certo que o que desejamos precisa ser objetivado numa rotina. Portanto, quando a rotina se quebra, de algum modo, afeta a condição material de realização do nosso desejo de ser num projeto de ser. - Desejo e dá-me prazer ser uma pessoa ativa, entre minhas atividades jogo vôlei e uma vez por semana jogo com meu time, além da musculação que faço...
A rotina é organizada por cada pessoa no seu próprio ritmo, então, pode variar bastante. Entretanto, quando essa rotina é modificada como no caso da pandemia que impõe o isolamento, as preocupações se acirram. As pessoas desempregadas ou com fragilidades sociais e econômicas ficam ainda mais em desvantagem. - Sou uma pessoa idosa e moro sozinha, estou afastada dos meus familiares, só os encontro por vídeo chamada. Antes sentia-me só as vezes, agora sinto-me sempre...
Aquelas pessoas que dependem do seu salário para manter seu modo de vida também encontram dificuldades. Muitos(as) trabalhadores(as) que trabalham no setor de serviços precisaram renegociar funções e salários, sobretudo nas pequenas empresas, o que impacta seus meios de vida. Muitos trabalhadores(as) foram direcionados(as) a atuar remotamente, o que demandou trabalhar no ambiente doméstico, muitas vezes inadequado ao desenvolvimento das atividades laborais forçando um convivência familiar e divisão de espaço físico que até então não ocorria. Os estudantes precisaram adaptar seu ritmo e organização de estudos à estrutura da moradia que nem sempre comporta tal fim. Famílias que não costumavam conviver tão intensamente descobrem que lhes falta intimidade. Por tudo isso, o próprio sentido da vida pode ser abalado, tornando o isolamento uma experiência próxima da vivência de solidão e do desespero.
No entanto, o desaceleramento do ritmo de vida tem sido uma experiência que viabilizou que famílias que não tinham tempo de conviver pudessem fazê-lo, o que criou mais empatia e afetividade, de modo bastante diferente da sociabilidade do trabalho e ambiente de estudos. Também promoveu, de certa forma, certa tranquilidade para pensar na vida e nos relacionamentos. Mesmo em menor grau, este fenômeno pode fazer-nos questionar sobre o aceleramento do ritmo de vida e suas consequências psicológicas, como a vivência da solidão.
A pandemia, de um jeito ou de outro, expôs fragilidades de nossa sociedade que muitos de nós insistem em não ver. O descaso ao sofrimento de pessoas em situações vulneráveis e que perderam amigos e familiares levam-nos a questionar a solidariedade em nossa sociedade. Questões humanitárias e ecológicas nos afligem, ainda mais quando são negadas. Isso é o que está ocorrendo conosco atualmente. Em termos gerais um contexto que pode nos levar ao desespero, por isso mesmo, faz-se fundamental cultivarmos a esperança.
Vamos problematizar, então, algumas fragilidades de nossa sociedade e seus impactos psicológicos potencializados na pandemia.
Vejamos, por exemplo, o aumento de pessoas sofrendo com ansiedade e depressão; o aumento do uso de álcool e outras drogas, e; o uso de drogas destinadas a tratamento de psicopatologias sem a devida prescrição médica. Vemos aqui o fenômeno da utilização de álcool e outras drogas, da psicopatologização e medicalização do sofrimento psíquico, da automedicação, tudo isso potencializado no atual contexto. O abuso de álcool e de drogas, inclusive lícitas, e a automedicação já ocorriam, o alto índice de pessoas com ansiedade e depressão também. Não são fenômenos novos. O que é novo é o contexto e como mais pessoas estão sofrendo desta forma.
O que de fato está difícil de enfrentar para que o uso de álcool e drogas, a psicopatologização do sofrimento e a automedicação tenham uma função para lidar com a realidade? Por isso, faz-se importante num processo psicoterapêutico refletir sobre as significações da função do álcool, das drogas lícitas e ilícitas, da medicação psiquiátrica e do diagnóstico psicopatológico, lembrando que tal função deverá ser diferente para cada pessoa. Não há resposta generalista para uma singularidade. Mas podemos refletir a partir de aspectos universais do contexto da pandemia. Por exemplo, a insegurança diante do futuro que a pandemia gera por si mesma combinada com a falta de políticas sociais e de saúde que realmente possibilitem que as pessoas fiquem em isolamento e possam encontrar novas formas de socialização e apoio neste novo contexto.
Importante destacar que o tratamento é acompanhado por profissionais capacitados, no caso da psicologia, por um(a) psicólogo(a). A partir da compreensão do sofrimento e da análise das condições clínicas um(a) médico(a), geralmente psiquiatra, irá prescrever a medicação e aconselhar o acompanhamento psicoterapêutico. Ou o psicoterapeuta poderá orientar seu(a) cliente na consulta com o(a) psiquiatra para complementar o tratamento psicológico com o tratamento medicamentoso, fisioterápico, fonoaudiológico, psicopedagógico e assim por diante. Parece-me muito importante destacar, então, que há uma diferença gritante entre o tratamento de saúde por conta do sofrimento psíquico e da utilização de substâncias para justamente não lidar com o sofrimento ou acreditando que de uma maneira mágica uma substância química poderá proporcionar resolução do sofrimentos ou dificuldades existenciais.
Neste sentido, conduzimos nosso trabalho promovendo o pensamento crítico e a autonomia de nossos(as) clientes. Esclarecemos sempre o porquê de nossos questionamentos, colocando nossas análises à prova do pensamento crítico do(a) cliente, viabilizando as análises das situações pelo(a) próprio(a) cliente, explicando o projeto psicoterapêutico em curso e mudando o direcionamento ou estratégia de acordo a apreciação do(a) cliente sem o prejuízo do projeto psicoterapêutico.
No entanto, muito embora um processo psicoterapêutico seja conduzido lastreado por um arcabouço teórico e metodológico nem sempre o usuário de nossos serviços poderá sentir-se a vontade ou gostar de nós. Se isso ocorrer, não se desencoraje, procure outro profissional.
Reafirmo, procure profissionais que lhe auxiliem a encontrar a melhor forma de desenvolver seu processo diante do seu sofrimento e da superação dele. Caso não encontre de primeira, oportunamente irá encontrar.
E a saúde psíquica no isolamento social? A psicoterapia on-line é uma alternativa. Caso você não tenha condições financeiras - geralmente é o que pega, a dificuldade em pagar - procure serviços gratuitos na Unidade Básica de Saúde e nos serviços de psicologia das universidades ou ainda, informe-se sobre possibilidades de atendimento com amigos(as) e familiares. Caso não encontre atenção à saúde psíquico acessível para você procure ter certa rotina: cuidados de si e do ambiente de moradia, escreva um diário sobre seus sentimentos e acontecimentos, converse com as pessoas sobre amenidades que seja, procure apoio e ser apoio para as outras pessoas também, faça coisas que não tinha tempo de fazer como aquele livro de 600 páginas que você queria ler...seja criativo(a). Fundamentalmente, não fique sozinha(a), converse com pessoas, procure contato. Não se deixe levar por pensamentos de que não é interessante ou que ninguém gosta de você. Observe o que lhe faz bem e o que lhe dá esperança.
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