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PERSONALIZAÇÃO E EXPERIMENTAÇÃO DA ANSIEDADE DIANTE DO MUNDO DO TRABALHO

Atualizado: 18 de nov. de 2024


O mundo do trabalho impõe exigências que extrapolam as forças físicas e a condição psíquica. A ansiedade é uma das psicopatologias que ocorrem neste meio. É possivel superar? Procuramos mostrar em que medida é superável num processo psicoterapeutico.

Sartre (1905 – 1980) forjou o conceito de personalização operando-o no seu livro Idiota da Família visando compreender o movimento dialético de uma vida humana, neste caso, do romancista Gustave Flaubert (1821- 1880). Importante notar que a personalização de Flaubert ocorreu mediante o movimento do romancista francês com a escrita e o ofício de escritor. Neste âmbito se realiza e se complica psicologicamente. Para entendê-lo Sartre nos mostra o movimento compreensivo sobre este ofício tanto na sua dimensão antropológica quanto na dimensão existencial e psicológica de Flaubert. Nesta toada, Sartre nos mostra o caminho do que fazer numa psicoterapia, isto é, compreender o movimento temporalizador.

A ansiedade é um estado constitutivo do Ego tal qual Sartre define o amor ou o ódio no seu livro Transcendência do Ego. O estado é vivenciado como inerte, isto é, desprovido de movimento. Portanto, é sua historicidade que precisamos evidenciar para que o cliente situe sua constituição e como pode agir para superar a vivência da inércia e observar seu poder de agir diante da indeterminação do futuro. Para tanto, descrevemos os episódios de ansiedade ao longo da história do cliente, objetivando a compreensão da relação entre a experimentações concernentes a ansiedade e a dinâmica psicológica. Resgatamos o movimento temporalizador em que a ansiedade foi se constituindo desmistificando a sua inércia. Assim, possibilitamos, por meio da intervenção psicoterapêutica, sua superação.

A experimentação que constitui a ansiedade é a inviabilização do projeto de ser no presente. Podemos identificar tal inviabilização desde as entrevistas iniciais compondo a compreensão psicoterapêutica, equivale dizer, diagnóstico. À medida que desenvolvemos as descrições das situações em que a ansiedade é vivenciada, a personalização do paciente torna-se conhecida. As descrições das situações em que a ansiedade é vivenciada, por meio do exercício do método progressivo e regressivo, contemplam localizar a experimentação no contexto histórico, no atual e o campo dos possíveis da pessoa. Este movimento descritivo ocorre em todos os processos psicoterapêuticos diante de todos os fenômenos psicológicos. No caso da psicoterapia do paciente que experimenta a ansiedade na sua relação com suas atividades profissionais, colegas e chefias etc. pensamos haver especificidades antropológicas do trabalho como categoria social que devem ser consideradas.

O trabalho é uma conduta especificamente humana na relação com o mundo direcionado a certos fins, através do qual provê os meios para a existência. Especialmente na dimensão existencial do trabalho, a descrição realizada no processo psicoterapêutico aborda a historicidade e o contexto institucional, estrutura organizacional e material, bem como, cultural, isto é, o conjunto de valores e símbolos, sobretudo referente as atividades e a carreira. A ação trabalhar, também constitutiva do Ego, preserva a dimensão antropológica trabalho. Deste modo, assinalamos a necessidade de compreendermos o sofrimento psíquico relacionado ao trabalho considerando a interface com as outras ciências que estudam e atuam nos fenômenos no campo da saúde e trabalho.

Desde as primeiras sesões descrevemos as principais crises que levaram a pessoa a procurar psicoterapia, bem como, as peculiaridades da vivência de inviabilização do futuro profissional desejado relacionando-a ao contexto organizacional em que ocorre. Assim, mobilizamos, em conjunto com o paciente, a compreensão do sentido destas crises de ansiedade ou, segundo Sartre, o real através dos produtos da irrealização.

A irrealização é o psíquico – imaginação, pensamentos e emoções – perante o futuro. Por exemplo, cenários catastróficos em que o desejo de ser é experimentado no presente como inviabilizado. Apresentando os sintomas físicos – tremor, aperto no peito, perda da localização espaço-temporal etc. – e as vivência emocionais como medo. No entanto, estas vivências podem estar apartadas ou não a condição concreta da pessoa e de suas possibilidades, isto é, do real. Por exemplo, ela pode estar viabilizada ou ter o campo dos possíveis para sua viabilização e não reconhecer ou não conseguir agir.

A partir desta fase inicial de um processo psicoterapêutico elaboramos o projeto psicoterapêutico, que em termos gerais, passa pela viabilização do projeto de ser no presente diante do campo dos possíveis e pela compreensão da historicidade da ansiedade. O projeto psicoterapêutico visa, inicialmente, o reconhecimento das mediações atuais no lazer, amizades e relação amorosa. Descrevemos tais situações analisando as experimentações inviabilizadoras e as viabilizadoras. Na medida em que a análise sobre as escolhas e campo dos possíveis é atualizada pela experimentação de viabilização a ansiedade na sua relação com o trabalho vai sendo localizada historicamente, permitindo que o próprio cliente expresse a sua avaliação do processo psicoterapêutico.

Neste sentido, a compreensão do campo dos possíveis e a capacidade de planejar ações de médio e longo prazo oportuniza a condição para fruir as próprias conquistas sejam materiais ou afetivas experimentando-se realizado perante novas possibilidades amorosas, manter as relações de amizades e fazer novas, familiares, de lazer e profissionais. Por fim, o cliente a propria uma racionalidade histórica e dialética, condizente, como o próprio movimento no mundo. Objetivo final, por assim dizer, de todo processo psicoterapêutico fundamentado na psicologia existencialista.


Obs.: este texto foi produzido inspirado na apresentação com o mesmo título, realizada no IV Colóquio Internacional sobre Sartre na sessão coordenada 10, em Florianópolis.

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