Fui convocada, no final de uma sessão, a problematizar a questão da autonomia e liberdade na psicologia de Sartre. Como foi um(a) paciente que fez a provocação, não entrarei em mais detalhes para garantir o sigilo. A problematização relacionou os conceitos de liberdade e a autonomia e no que resulta operá-los num processo psicoterapêutico. Decidi escrever um texto no Blog Psicologia em 3 minutos pelo fato de que a questão que o(a) mobilizou a refletir sobre seu próprio processo psicoterapêutico é extremamente pertinente tanto no que se refere ao método clínico quanto aos aspecto ético da psicologia clínica com a qual trabalhamos.
Fico sempre bastante satisfeita quando um(a) cliente problematiza seu próprio processo psicoterapêutico. A meu ver, significa que está apropriando-se, superando e tomando suas próprias decisões ao considerar que a autonomia proporcionada pelo processo psicoterapêutico é importante. Mas, o fato é que para chegarmos neste ponto da psicoterapia temos muita teoria envolvida. Isso quer dizer que a empatia, o vínculo, o clima psicoterapêutico são fundamentais, mas o respaldo teórico metodológico são ainda mais.
No que diz respeito a teoria consideramos que um ponto central para definirmos os conceitos trata-se do conceito de verdade. Sartre o desvela de modo claro num texto intitulado Verdade e Existência. Diz ele que a verdade vem ao mundo pelo ser que é o que não é, ao mesmo tempo que, não é o que é. Quer dizer, existimos no tempo e não somos determinados pelo nosso futuro que ainda não é e tão pouco pelo nosso atual. Somos livres no nosso atual para quebrarmos um ciclo do passado, sejam pensamentos, emoções ou ações recorrentes. É justamente isso que uma psicoterapia poderá proporcionar a medida que viabiliza o autoconhecimento e assim, a condição de possibilidade de escolher-se. Viabiliza, então, a experimentação de segurança ou autonomia.
A verdade pode ser considerada, inicialmente sob a perspectiva a científica. Nela, desvelamos um fenômeno, seja ele biológico, químico, físico, social ou histórico. Assim, ela vem ao mundo pelo cientista desvelando um fenômeno. A história da ciência está cheia de exemplos. A verdade a terra gira em torno do sol atualmente incontestável, foi desvelada por meio dos cálculos matemáticos de Copérnico (1473-1543) e anos depois pelos métodos de observação de Galileu Galilei (1564-1642). Antes disso a o planeta Terra era considerado o centro do universo.
Mas a verdade pode ser entendida também como o conhecimento que adquirimos tendo como objeto: nossa historicidade, ou seja, nosso passado; as ações que empregamos em nosso contexto reproduzindo-o ou modificando-o, e; as experiências que tivemos e que temos. A partir desse conhecimento podemos desvelar dinâmicas psicológicas que constituímos articuladas com dinâmicas de grupos, organizações ou instituições onde estamos inseridos, à exemplo da família, do trabalho ou da escola.
Vejamos a historicidade de Jean Genet (1910-1986) registrada no livro Saint Genet: ator e mártir, de autoria de Sartre. Antes de escrever e ser reconhecido como escritor Genet foi tutelado pelo estado francês desde a infância. Nos primeiros anos viveu nas instituições destinadas a menores abandonados, na adolescência como jovem infrator e na adultez como ladrão. Entre as instituições vivia em viagens pela Europa, como clandestino. Ora mendigava, prostitui-se ou roubava, ora estava preso. Sustentava o que chamava as roletas, formas de pensar sobre si mesmo, desejando, por fim, o mal que lhe acometia e justificando-o num sistema cíclico de pensamentos que pouco devia a realidade ou a verdade de sua própria situação.
As roletas, tal como foi descrita por Sartre, é uma perspectiva sob a dinâmica psicológica de Jean Genet. Trata-se de uma forma de pensar, à exemplo de: Genet quer o mal que o acomete, quer o fracasso, mas se o consegue é um sucesso, então ele não quer o que quer. E essa forma de pensar conduz o que o próprio Genet chama de prisão circular. Esses arranjos reflexivos sustentam o seu modo de ser abstrato a revelia de suas experiencias historicamente situadas. Pelo menos até a juventude, conferem a ele uma vivência sem Historia. Portanto, Sartre denominou esse sistema de paranoico e o próprio Genet, já adulto e escritor reconhecido, de túmulo. A verdade sobre a dinâmica psicológica de Genet é desvelada por ele mesmo. Aí reside o autoconhecimento que uma psicoterapia poderá proporcionar e uma mudança que o paciente poderá empreender, se for esta a sua escolha.
O(a) psicoterapeuta é uma mediação para que o(a) cliente ou paciente localize-se diante de sua situação e de si mesmo. Conduz a uma elaboração e entendimento sobre o que mudar, como mudar e o que deseja. Mas, conduz também a qualificação positiva de muitas das suas escolhas e empreendimentos.
O que significa conhecer a si mesmo? Significa a condição de possibilidade de escolher-se.
Num processo psicoterapêutico fundamentado na psicologia fenomenológica e existencialista significa compreender sua própria dinâmica psicológica historicamente constituída. A mediação do psicoterapeuta oferece os recursos para que o(a) cliente experimente-se seguro localizando-se em sua historicidade e diante de quem deseja ser, viabilizando assim, as mudanças necessárias compreendidas e empregadas pelo(a) próprio(a) cliente. Importante lembrarmos que todo sofrimento poderá sinalizar uma mudança necessária. Se estamos ansiosos, se nos realizamos somente no imaginário, se estamos muito tristes, sozinhos ou com ideias suicidas, antes de pensarmos que estamos doentes e fadados a essa condição, podemos pensar no que mudar para que esta condição de sofrimento seja ultrapassada.
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