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Minha história, lugar no mundo e futuro

Atualizado: 27 de jun. de 2024



Na primeira infância nossas perspectivas de futuro são dadas pelos outros. Assim inicia a nossa história, vinculada a comunidade e família onde nascemos, a formação cultural deste lugar, a estrutura de sentimentos que constitui a dinâmica do grupo familiar, do casal, do indivíduo ou instituição. O lugar no mundo que esse arranjo viabiliza torna-se afetivo, isto é, lembranças que podem ser presentificadas ao longo de nossas vidas. Importante marcar que elas podem ser viabilizadoras ou não. A psicoterapia existencialista propõe atualizar este lugar no mundo, localizando o paciente diante de sua situação e possibilidades.

O lugar onde nos desenvolvemos impõe mediações que não escolhemos. Diante delas, as escolhas que fazemos são alienadas. Ainda não temos dimensão das consequências de nossos atos aos dois anos de idade. Faz parte do desenvolvimento humano reconhecer que o fim da ação corresponde ao meu projeto e desejo de ser, desde os gestos mais simples aos mais complexos. É preferível que aprendamos essa simples máxima na mais tenra idade, assim teremos a noção precisa da responsabilidade e alteridade, bem como, do nosso poder de agir no presente.  Chega um momento da vida que nossas ações definem nosso lugar no mundo e nosso futuro, deixamos de ser reféns do nosso passado. Mas para isso, a desalienação deverá constituir nosso processo de aprendizagem e desenvolvimento.

A psicoterapia existencialista promove a desalienação, dentro dos seus limites. Afinal, o ser-humano, como um ser social, estará num lugar morando, atuando para suprir suas necessidades, trabalhando, divertindo-se em espaços de lazer etc. Neste sentido, a alienação concernente às relações sociais e econômicas não são superáveis por um processo psicoterapêutico. Identificamos a alienação somente diante dos fenômenos psíquicos, da própria dinâmica psicológica, da historicização e do campo dos possíveis. Encontramos, em conjunto com o paciente, formas de lidar e superar o sofrimento psíquico situando-o, também, sobre o lugar de onde veio, onde está e onde gostaria de estar.  À medida que aumenta o poder de agir, é provável que a experimentação de segurança de ser quem deseja ser torna-se muito mais frequente, bem como, a alegria ou felicidade de estar forjando o seu lugar.

A alienação, para nós, é uma expressão sociológica da nossa liberdade. Estamos num mundo que foi objetivado por nossa subjetividade, enquanto que, ao estar e agir neste mundo, ele é constitutivo de nossa subjetividade. Nos objetivamos e subjetivamos ao mesmo tempo e sempre a partir de condições materiais previamente determinadas. Muito embora, nosso futuro não esteja definido nem por nossa historicidade ou nossa dinâmica psicológica, nem pelo mundo social e material, ele é circunscrito num campo dos possíveis que podemos desvelar. Desejo comer pão, sairá fresquinho e quentinho daqui a uma hora na padaria da esquina. Tenho todas as condições para adquiri-lo: dinheiro, disposição para ir até lá e tempo. Nenhum problema até aqui, fiz isso muitas vezes, tenho boas lembranças de um café da tarde agradável. No entanto penso que comer pão não me faz tão bem assim, é um prazer imediato, mas a consequência é quebrar a disciplina que me impus visando melhoras na saúde geral. Como agirei?

O exemplo acima é simples, mas pode ser replicado em situações que exijam análises mais amplas e profundas. Grosso modo, como agirei define minhas possibilidades de subjetivar-me e reconhecer-me como aquela que faz tais coisas, gosta de tais outras, têm certas habilidades, posiciona-se de tal modo etc. Um dia destes estava conversando com alguém nascida na região serrana catarinense, que por conta do trabalho morou poucos anos num estado do nordeste, do qual ela gostou muito, mesmo assim, as vezes sentia falta de compartilhar o chimarrão e fazer o churrasco. Àquele lugar, de onde quis sair para ampliar seus horizontes intelectuais e culturais, tornou-se mais querido quando retornava para visitar familiares e amigos. Pois este era o seu lugar, como um abraço de alguém especial e que conforta, que faz pertencer. Um lugar onde viveu sua infância, descobriu suas possibilidades e escolheu-se.

 

 
 
 

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