Diferenças e convergências entre diagnóstico psicopatológico e compreensão psicoterapêutica
- Andréa Luiza da Silveira
- 19 de abr. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 20 de abr. de 2021

Questões frequente mentes colocadas no contexto psicoterapêutico de clínica particular e individual com a qual trabalho referem-se ao diagnóstico psicopatológico. A psicopatologia, uma ciência autônoma cujo objeto é o transtorno psíquico, numa perspectiva fenomenológica propõe-se a reunir recursos teóricos e metodológicos para descrever e compreender tais transtornos (você pode obter uma lista dos transtorno neste link: https://www.medicinanet.com.br/cid10/f.htm). Neste sentido, temos pesquisas tanto do campo da antropologia, saúde coletiva quanto da epidemiologia e psicologia com este propósito. Certamente não é um trabalho terminado, entendo que seja até mesmo uma perspectiva bastante recente, pois somente em 1913 Karl Jasper fundamenta a psicopatologia como ciência independente das demais. Em todo caso, a caracterização dos manuais de psiquiatria ainda é confundida com diagnóstico psicopatológico, diante disto, pretendo esclarecer no que convergem e no que diferem.
A compreensão psicoterapêutica desenvolvida pelo psicoterapeuta existencialista constitui o processo psicoterapêutico. Trata-se de entender a experimentação mais imediata que constitui o sofrimento psíquico que levou o(a) cliente a iniciar o seu processo psicoterapêutico. A compreensão é sempre verificada em conjunto com a(o) cliente para alinharmos, também em conjunto, o projeto psicoterapêutico. Certamente, algumas sessões ocorrem até chegarmos a esse ponto, lembrando que a intervenção ocorre ao longo do movimento compreensivo.
A compreensão psicoterapêutica implica num movimento totalizante que converge o contexto sócio-histórico, a situação do cliente e seus possíveis imediatos e as suas vivências. Esse movimento é dialético, parte da perspectiva material e histórica do(a) cliente e continua ao longo do processo permeado por localizações diante das situações mais diversas e o desejo que move o projeto original da(o) cliente. No entanto, prescinde, muitas vezes, de um diagnóstico psicopatológico, mas o desenvolvimento de um diagnóstico psicopatológico não pode ocorrer sem a compreensão psicoterapêutica.
O diagnóstico psicopatológico é, então, compreensivo. Marca um espécie de totalidade ao recortar uma condição psicológica do(a) cliente à exemplo daquelas caracterizadas nos manuais de psiquiatria. Entretanto, as caracterizações listadas nestes manuais são baseadas, grosso modo, em medidas de frequência, intensidade e periodicidade dos sinais e sintomas, bem como, na incidência estatística em certas populações, podendo ser diferenciadas basicamente por sexo e idade. Deste modo, o diagnóstico psicopatológico transcende as caracterizações com as quais é confundido, pois foca imediatamente na singularidade do(a) cliente e na experiência que comporta pensamentos, imaginação e emoção.
Certamente um pequeno ensaio como este deverá deixar muitas brechas para dúvidas. Meu singelo objetivo é apenas diferenciar o diagnóstico da compreensão e mostrar que a referência a um diagnóstico não é suficiente para que a formulação da compreensão.
Utilizarei como exemplo de compreensão a narrativa psicológica ficcional do livro Angustia escrito por Graciliano Ramos e publicado em 1936 enquanto o autor era preso político do governo Vargas. Vamos fazer um breve exercício de compreensão diagnóstico observando, inicialmente, como o autor alagoano situa o ser de classe de Luís da Silva por meio, exclusivamente, da narração sobre a historicidade dele, quando remonta sua infância na fazenda degradada de sua família, cujo pai esfarrapado e bêbado destrata o antigo escravo dono do armarinho e avó briga e xinga escravas imaginárias. Luís da Silva vivencia em sua singularidade a decadência da oligarquia da qual descende. A narrativa que revela a historicidade de Luís da Silva, vai e volta da infância até a adolescência como mendigo e a condição presente do miserável jornalista com pretensões de escritor, deixa entrever por meio da angustia situada historicamente o ser de classe do personagem. Nesta condição social e histórica vivencia a angústia de um homem sem lugar de ser, que deseja mas não consegue realizar. O autor através de sua ficção viabiliza-nos compreender a condição psicológica do seu personagem. Mostra que ao oscilar entre a imaginação e o real não consegue realizar-se como amante, como amigo e como escritor. A angústia é vivida em cada situação real ou imaginária, mas sempre impossível. Luís da Silva sucumbe, não supera seu sofrimento. Não compreende o que vive, apenas vive. A trama principal revela que Luís, antes de sucumbir esteve diante de suas próprias possibilidades mas sua condição psicológica o inviabilizava.
A compreensão psicoterapêutica articula o contexto histórico e social, a historicidade do(a) cliente e os fenômenos psíquicos (dinâmica entre pensamentos, imaginação e emoção). O objetivo no processo psicoterapêutico é que ao desenvolvê-la com a mediação profissional psicoterapêutica o(a) cliente efetive sua própria autonomia.