A ansiedade e inviabilização de ser no presente
- Andréa Luiza da Silveira
- 1 de mar. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 13 de abr. de 2024

Partimos da premissa que toda singularidade vivencia a universalidade. Compreender que a ansiedade é uma vivência recorrente em nossa época faz parte de um movimento importante para conhecer-se. E nos conduz a refletir sobre sua historicidade não somente individual mas coletiva. Assim podemos reunir mais elementos para explicar esse sofrimento psíquico. O porquê do peito apertado, do tremor, da dormência dos membros ou da taquicardia e das antecipações e pensamentos catastróficos. Afinal, existem outras noções que constituem a ansiedade além do medo de que algo que não desejamos ocorra.
Para uma profissional de psicologia é importante ter tais noções, pois esse conhecimento nos oferece as condições adequadas para nosso fazer em psicoterapia, orientação psicológica ou em supervisão clínica. Neste breve texto, do blog Psicologia e 3 minutos, tais noções serão apresentadas para os(as) leitores(as), sobretudo, para àqueles que confiam seu processo psicoterapêutico a psicoterapeutas que trabalham com a psicologia existencialista. Ademais, a compreensão sobre o próprio sofrimento poderá viabilizar ações diante do mundo, dos outros e até mesmo alterar a relação com a temporalidade.
A ansiedade constitui-se mediante uma experimentação marcante, trata-se da inviabilização do projeto de ser no presente - considerando os sinais e sintomas que a caracterizam e que os manuais de psicopatologia apresentam, sobretudo, o medo que algo de ruim ocorra e os pensamentos correspondentes a esse medo. No entanto, cada um de nós sente medo de algo mais ou menos específico e que diz respeito à sua própria historicidade e dinâmica de relações afetivas nos seus mais diversos contextos sociais. Neste sentido, faz-se metodologicamente necessário situar as emoções que perpassam a vivência da ansiedade e que delineiam o projeto de ser de cada um.
Ao identificar a historicidade da ansiedade podemos observar como explicamos o que nos acontece. Notamos que é bastante comum explicar ansiedade utilizando-se da fatalidade de ser acometido(a) por antecipações de que algo poderia não ocorrer de acordo ao desejo, mesmo tendo se empenhado para que ocorresse. Isso nos faz pensar de que a ansiedade não é o tipo de sofrimento psíquico em que não há certo desejo de ser - normalmente referido como falta de perspectivas. Notamos, ao contrário, que a ansiedade é a experimentação da inviabilização deste desejo. Mesmo que não haja nada concreto que sinalize tal inviabilização no atual, pode ter havido anteriormente.
Por isso, no processo psicoterapêutico precisamos chegar ao vivido localizando a temporalidade, pois é por meio do movimento temporal ou temporalização que a ansiedade foi se constituindo como um saber sobre si mesmo: Eu sou ansioso(a). À medida que este saber se consolida, igualmente, se consolida um comprometimento com o futuro: serei ansioso(a). Vemos bem que não se trata aqui de um destino, mas de um certo vislumbre que ao vivenciar a ansiedade tem-se também do seu próprio futuro.
Entender a temporalidade é fundamental para entendermos como ocorre a constituição da personalidade ou Ego. E também o modo como uma psicopatologia, a exemplo da ansiedade, é formada. O tempo ocorre em fluxo, de modo que sou o que já fui sem determinar o que serei. Portanto, o comprometimento com o serei ansioso(a) precisa ser rompido. Isso só é possível porque o futuro não está definido. É no presente, entre o que fui e serei, na ação no mundo e com os outros que poderemos modificarmo-nos. No entanto, estamos num contexto social e histórico cujos valores atravessam nossas vivências. Precisaremos lidar com estes valores, bem como, com o que sabemos sobre nós mesmos.
Num processo psicoterapêutico, no caso específico de processos ansiosos, a historicidade do contexto sócio histórico em que ansiedade foi se constituindo como um saber sobre si constitutivo da própria ansiedade são elementos fundamentais da descrição das vivências de ansiedade. É no presente que a pessoa sofre a inviabilização do que deseja, não somente pelo cenário catastrófico que monta, mas pelo questionamento da sua própria condição de realizar o que realmente deseja.
Realizar o que deseja refere-se também ao campo do ser, isto é, ser pai ou mãe, ser filho(a), amorosamente e sexualmente, isto é, no que diz respeito a relação com os outros. Neste sentido, a ansiedade poderá estar ligada historicamente à um conjunto de relações familiares, no trabalho ou estudos. Neste sentido, ocorre um modo de relação, também afetivas, com suas próprias possibilidades, como a desesperança, a insegurança, a tristeza.
Como vimos a ansiedade é uma experiência complexa e exige certo engajamento no processo psicoterapêutico. Além do mais, lidar com este sofrimento psíquico implica revisitar muitas situações em que foi vivida, relacionamentos amorosos, familiares e com as amizades que podem ter sido difíceis, decepcionantes e tristes. Igualmente, faz-se fundamental analisar situações em que a ansiedade é experimentada atualmente. E pôr para si mesmo novos possíveis tanto do que se pode fazer como se deseja ser, certamente, com a mediação psicoterapêutica.
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