Já ouvi, muitas vezes, não raro de forma amargurada, alguém dizer que nascemos sozinhos e morremos sozinhos. Nunca pensei muito sobre isto, até agora. O fato é que não é verdade. Nos sentimos sozinhos (as) por não haverem vínculos, mas as pessoas estão sempre aí e de forma fundamental. Se nos sentimos sozinhos (as) é porque não nos realizamos nas relações, porém, isso se resolve. Inspirei-me no lindo poema Mãos Dadas de Carlos Drummond de Andrade, que diz assim:
"Mãos Dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente."
Diante da beleza e da verdade deste poema, o que resta dizer?
Que podemos escolher e não estamos fadados (as) a uma situação. O poeta escolhe não ser poeta de um mundo caduco, que já está dado, que já está feito, fará diferente.
Não dá para fazer diferente sozinho, estamos juntos com os outros. Concordo plenamente companheiro Drummond.
Olha para os lados e vê seus contemporâneos cabisbaixos. Não é por acaso que o índice de depressão, ansiedade e por aí vai, é muito alto. Vide dados da Organização Mundial de Saúde. Entretanto, o poeta observa também que se há desalento, há igualmente esperança. E convida a todos (as) para olharem a realidade, juntos (as). Convida-nos a viver o presente.
Convoca-nos a não vivermos na abstração de sentimentos e reflexões vãs. Nem tampouco perder-nos no infinito, muito menos entregar-nos ao sofrimento ou ao suicídio. A vida presente oferece o que precisamos: os amores, a beleza, a vida em sua intensidade, junto com os outros. De mãos dadas.
E assim nos fazemos, nos personalizamos, tornamo-nos certa pessoa a partir do que escolhemos fazer. O que está dado pode ser superado rumo a certos fins. Quais fins? Pensemos sobre eles.
Definimo-nos por nossa ação que terá consequências, isto é, alcançaremos certos fins e não outros. A ação situa-se de acordo a certas possibilidades, ao mesmo tempo em que viabiliza ou consolida novas possibilidades. Escolher-se, então, é algo objetivo porque implica ações que sempre são imbuídas de certos valores. Todo o processo é justamente o que chamamos aqui de personalização, o próprio empreendimento de viver. Compreender este movimento, em que constatamos nossa própria subjetividade, constitui a psicoterapia existencialista.
Por isso sempre afirmo que mudar é possível. Hoje vi o título de um evento sobre psicopatologia que dizia que o diagnóstico infantil se escreve a lápis, muito criativo e verdadeiro. Entretanto, não é somente o diagnóstico infantil que se escreve a lápis, todo diagnóstico psicológico é transitório a medida que o processo psicoterapêutico avança, visto que os fins que almejamos é a superação do sofrimento psíquico.