Damos sentido para nossas vida por meio de um projeto de ser que reúne o que fazemos, o que somos e o que temos. A medida que somos o sujeito das nossas ações no mundo, conquistamos nossa saúde psíquica, cotidianamente, junto com os outros, construindo nossa história particular e coletiva.
Por isso, a noção de tempo é muito cara à psicologia, pois, nos personalizamos no fluxo temporal em que o presente, o passado e o futuro são alinhavados pelo desejo, este materializado em nossas condutas.
Afinal, toda experiência humana ocorre no fluxo temporal e numa certa relação com o tempo. Por exemplo, se o desejo de ser intelectual está claro como água é preciso colocá-lo em prática. Vale lembrar, que a realização de nossos desejos sucede em certas condições sociais e históricas. Caso queiramos estudar numa universidade devemos ter o conhecimento básico necessário exigido pelo curso de graduação ou pós-graduação e acesso geográfico e financeiro a uma universidade que ofereça o curso desejado e assim por diante. Deste modo, para nos realizarmos necessitamos de um campo de possíveis que nos favoreça. Se os possíveis sociais e históricos não se apresentarem podemos afirmar que se estrutura um cenário em que dificuldades psicológicas podem tornar-se muito comuns, como a vivência da insegurança, ou ainda, de modo mais grave, vivências de ansiedade e depressão que decorrem em sofrimento psíquico, tão próprio de nossa época.
Paulo Leminsk, poetizando sobre o tempo, versa sobre a emoção e o pensamento que revelam o sentido da experiência entre horas, meses e dias, nas expressões caco de vidro, grito, duvido e acredito. Segue o belo poema.
"Tem horas que é caco de vidro Meses que é feito um grito Tem horas que eu nem duvido Tem dias que eu acredito."
O tempo vem sendo cantado, poetizado, romantizado e teorizado pela ciência e pela filosofia.
A viabilização do projeto de ser diante do campo de possíveis comporta, então, a subjetividade objetivada no campo prático. A subjetividade, ao ser compreendida, será ultrapassada em novas perspectivas. Vejamos uma situação de otimismo. Um jovem jogador, como de costume, anima seu time que está perdendo o jogo. O time perdeu e reuniu-se depois para refletir sobre suas práticas. Um dos jogadores diz: nosso amigo nos animou como sempre, quando tudo pareceu perdido foi otimista. O jovem então pensa: sou otimista, tenho esperança mesmo em circunstâncias tão difíceis e coloco-me em ação para realizar meu otimismo. O jovem saberá agir e considerar sua subjetividade em diversas situações, pois esta experiência marcante, mediada por sua equipe lhe viabilizou compreender-se. Esta experiência que possibilita o ultrapassamento de uma condição psicológica que a psicoterapia visa promover.
O projeto de ser é operado por uma subjetividade que se objetiva, esta é a condição para a compreensão ocorrer e consolidar a superação do sofrimento psíquico. Vejamos um último exemplo, totalmente fictício. Uma mulher sofre demais por não se sentir amada pelo marido e pelos filhos, considera-se desvalorizada. Qual a situação? Ela faz tudo para agradá-los, submetê-se e anula-se e está sempre triste. Acredita que um dia será valorizada. O que deseja? Participar da comunidade da qual faz parte, mas é constantemente criticada pois deveria estar a disposição da família e não da comunidade. Ela revela: nada lhes falta, tudo está sendo sempre providenciado. Mas, por fim, sucumbi e deixa de participar da comunidade. Sua tristeza aumenta e seu engajamento diminui e deixa de lado os afazeres exigidos pelo marido e filhos. Com a mediação de uma psicoterapia compreende que sempre foi uma pessoa ativa e projetou-se como uma pessoa que cuida dos outros, da família, da comunidade etc. Seu trabalho na comunidade é significativo para ela, isto é, uma de suas maneiras de objetivar-se no mundo e realizar-se. A partir desta compreensão posiciona-se diante do marido e dos filhos e põe limites. Resgata seu lugar no mundo. O fato deles se colocarem como empecilhos ou mediação para ela realizar-se pode ser o aspecto definidor do futuro desta família. Essa mulher, então, faz-se ser a pessoa que cuida e nisto realiza-se, pois, muito embora não houvesse o reconhecimento do marido, era reconhecida na comunidade da qual participava, por seus pais etc., e o seu processo psicoterapêutico possibilitou que compreendesse a importância de agir como quem cuida, ser a pessoa que cuida e possuir tal reconhecimento, não só dos outros mais de si mesma. Este movimento reflexivo viabilizou a localização de suas condutas, possibilitando-lhe certo ultrapassamento de uma condição psicológica, qual seja, estar triste por não realizar-se e não sentir-se valorizada.
Muito embora estes conceitos sejam complexos são eles que são operados pelo (a) psicoterapeuta que se fundamenta na fenomenologia e no existencialismo, por isso é importante esclarecê-los, como fizemos o esforço neste breve texto. Fazer, ser e ter são dimensões importantes da nossa existência e constitutivos da temporalização que
desenvolve-se com experiências que revelam uma saúde psíquica. Se leio um livro, sou leitor e possuo o repertório lido, se faço um bolo, terei a experiência de ter feito o bolo e serei aquela pessoa que faz bolos, se faço os gestos do amor sou aquele(a) que ama e possuo a capacidade de amar. Entretanto, nosso Fazer precisa gratificar-nos para que tenhamos uma experiência realizadora e assim mantemos nossa saúde psíquica.
O texto anterior a este, intitulado Psicoterapia existencialista, um olhar voltado para o futuro objetivou articular o futuro como uma dimensão da temporalidade. Neste texto, pretendemos mostrar que por meio do Fazer constituímos o Ser e produzimos o Ter no fluxo temporal. A rigor, as três dimensões do tempo, presente, passado e futuro, integram-se no existir humano. Estas noções, operadas em psicoterapia, viabilizam a superação do sofrimento psíquico e a promoção da saúde.