PSICOPATOLOGIA E EMOÇÃO: A ANSIEDADE
- Andréa Luiza da Silveira
- 2 de jun. de 2018
- 5 min de leitura
A experiência do sofrimento liga-se tanto ao fenômeno da emoção quanto a forma como a sociedade é organizada. Essa compreensão viabiliza tanto a ciência psicopatologia quanto a prática clinica.
Iniciamos com o questionamento:qual a importância de refletirmos e debatermos sobre os transtornos psíquicos? Segue abaixo algumas informações. Vejamos estas duas chamadas de reportagem:
Aumento de transtornos mentais entre jovens preocupa universidades
Reportagem: Fabiana Cambricoli e Luiz Fernando Toledo, O Estado de S. Paulo. 16 Setembro 2017 | 19h00
https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,aumento-de-transtornos-mentais-entre-jovens-preocupa-universidades,70002003562
Brasil tem maior taxa de transtorno de ansiedade do mundo, diz OMS
Reportagem: Jamil Chade e Isabela Palhares, O Estado de S. Paulo. 23 Fevereiro 2017 | 16h26
https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-tem-maior-taxa-de-transtorno-de-ansiedade-do-mundo-diz-oms,70001677247

Essas reportagens sinalizam a gravidade e a abrangência social dos transtornos psíquico, mais especificamente da ansiedade. Assim, entendemos que é muito importante esclarecermos que o fenômeno da emoção, seja paixão ou tristeza, a alegria, o medo e assim por diante, está totalmente ligado a certas experiências de sofrimento, as vezes extremas, as quais chamamos psicopatologias.
A palavra psicopatologia define uma ciência que estuda os fenômenos psíquicos inerentes aos sofrimento de cunho psicológico, ao mesmo tempo, refere ao sofrimento específico que afeta as pessoas, tais como: depressão, ansiedade, obsessão e compulsão, anorexia, hiperatividade e por aí vai. Interessa-nos, nesse texto, relacionar o fenômeno da emoção a uma psicopatologia específica, denominada ansiedade.
Vamos conceituar, então, o que é uma emoção. A pessoa que se emociona significa certos aspectos de suas relações como impasses para a sua ação. Logo, ao invés de atuar frente a tais aspectos para assim superá-los, age sobre si mesmo anulando a concretude do mundo, do outro e do tempo tal e qual se apresenta.
O fenômeno da emoção ocorre em nosso cotidiano. Por exemplo, depois de receber várias vezes por dia, durante alguns dias, o telefonema insistente de uma operadora de ... (celular, seguro, internet etc.) João irrita-se com a (o) profissional de telemarkting dizendo em tom de voz bastante alto: - Solicitei que tire meu nome dessa lista... Não tenho interesse... Não me telefonema mais...
Neste acontecimento corriqueiro vamos refletir como a irritação ocorre na relação com o mundo, o tempo e o outro. João está impotente perante os telefonemas consecutivos que recebe sem poder mudar isso (mundo). Age irritando-se diante de sua impotência (significado da emoção), pois antecipa que os telefonemas continuarão (tempo) enquanto a empresa continua o assédio (outro).
A ansiedade, do mesmo modo, envolve um mundo que se apresenta como difícil ou é significado como difícil ou intransponível. Combinado a isso sustentam-se certas antecipações frente ao futuro em que os impasses permanecem e, ao mesmo tempo, a pessoa encontra poucos recursos e mediações para superá-los. Podemos relacionar as características próprias da ansiedade com a forma como o mundo social é organizado. Perguntamos: por que ocorre esse aumento vertiginoso da ansiedade vivenciada pela população brasileira e mundial? Existem aspectos da forma como a sociedade se organiza que possibilita o alto índice de ansiedade? O aumento do desemprego, da violência institucional e social? O individualismo e a pouca fraternidade estão ligados aos transtornos psíquicos?
Deste modo, apresentamos aqui uma pequena citação de um autor francês chamado Jérôme Englebert que analisa o que Jean-Paul Sartre, famoso filósofo também francês escreve sobre a emoção e o seu sentido:
Basicamente, a emoção tem um sentido, ou seja, "ela significa alguma coisa para minha vida psíquica" (ibid., p.62), fato que a faz humana, qualidade a que ela não pode escapar. Além disso e, em consequência deste primeiro princípio, o fenômeno emocional é igualmente considerado como indissociável à seu ambiente: "a emoção é a realidade humana que se assume e se "dirige afetada" para o mundo" (ibid., p. 15). Sartre nos permite compreender que uma emoção isolada não existe e que só é real na sua interação social". (Englebert, 2017, p. 77)
Assim, é importante contextualizar o significado de emoção vivenciada como ansiedade pelas pessoas, articulando-a a biografia de cada um. Deste modo, a superação da ansiedade é também a superação de certas situações particulares, certamente, mas também coletivas sobretudo no atual momento histórico em que os transtornos somam altos índices não somente no Brasil, mas em todo o mundo, como atesta a Organização Mundial de Saúde.
Qual aspectos do mundo coletivo ou da sociedade estão ligados a etiologia da ansiedade? Precisamos compreender que características deste mundo geram medo, promovem expectativas de que algo mal ou ruim pode acontecer, fazem acreditar que se deve chegar ao "sucesso" ou a suposta perfeição, faz duvidar de sua própria capacidade, condição ou competência para desenvolver-se ou realizar-se amorosamente, no trabalho, na família ou seja, na vida. Portanto, a experiência do sujeito necessita ser entendida considerando o social, o institucional e o sociológico. Na nossa perspectiva da psicologia clínica, partir da experiência permite clarificar a singularidade e, por meio dela, o que a transcende, viabilizando que o sujeito, ao utilizar seus próprios recursos, analise o campo de possíveis em que tanto as viabilizações quanto as inviabilizações estão, de certo modo, dadas. E as possibilidades que podem ser potencializadas pelo próprio sujeito e também por sua intervenção junto com os outros quanto as questões sociais.
No campo de estudos do trabalho o medo de perder o emprego é uma realidade. Quem não o viveu ou vive! Talvez esse seja um exemplo fácil de entender por esse sentimento fazer parte da experiência de muitos de nós, pois sem uma forma de obter certos valores monetários não é possível sustentar uma casa, prover os filhos (as), possuir material escolar etc. Perder o emprego significa tudo isso e mais, pois o campo de possíveis social está marcado pelo desemprego. Entretanto, a experiência da ansiedade reúne um conjunto de vivências em que a insegurança impera perante um mundo difícil em que o futuro se apresenta como temeroso. Portanto, uma psicopatologia é um tipo de fenômeno que pode ser compreendido ao analisar-se um biografia voltada para um futuro e situada num contexto social e histórico.
Qual a importância destes pressupostos para a prática clínica em psicologia?
Recorremos, novamente, ao texto de Englebert com o intuito de ilustrar nossa proposição. Sugerimos a leitura do texto do autor para aquele leitor que deseja aprofundar-se um pouco mais, pois nosso texto visa informar a partir de uma escrita mais simples.
Afirmamos, inicialmente, que a compreensão sobre a teoria da emoção é fundamental para atuar em psicologia clínica, sobretudo, com aquelas pessoas que vivenciam uma psicopatologia como a ansiedade, da qual tratamos aqui. A emoção é vivenciada no corpo. Quem sofre com a ansiedade sabe bem disso. Entretanto, essa experiência é sempre singular, são tensões, tremores, falta de sono etc. Mas, invariavelmente relacionadas a aspectos do mundo e da relação com o outro e com o tempo, como mencionamos antes ...não consigo desligar... não consigo relaxar... preocupo-me constantemente que... É preciso, então, compreender o sentido da ansiedade para essa singularidade ou biografia, isto é, como constitui-se essa maneira peculiar de relacionar-se? Essa é a elaboração psicoterapêutica que deverá ser realizada e que viabilizará a superação por meio da práxis da pessoa localizada em sua situação, suas possibilidades e impossibilidades perante o campo de possíveis e as medições que possui ou que pode conquistar.
Texto citado: Englebert, J. Sartre na Psicologia Clínica: emoção, situação e ultrapassamento. In.: Castro, F.C.; Schneider, D.R.; Boris, G.D.J.B. J-P Sartre e os Desafios à Psicologia Contemporânea. Rio de Janeiro: Viavérita, 2017.
Imagem: Sentimentos de Salvador Dalí.